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Dor no dedão do pé? Fique atento, pode ser gota

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Certas doenças têm formas curiosas de manifestarem seus primeiros sintomas. O infarte cardíaco é um exemplo do que digo: seus primeiros sinais podem ser formigamento do braço esquerdo, dor no estômago, dor na mandíbula - e olha que esses são os sinais mais comuns e conhecidos. Outro exemplo é a febre reumática que começa a se mostrar através de uma dorzinha inocente, na articulação do joelho geralmente, quando na verdade a preocupação maior é o estrago que seus efeitos podem estar causando no coração da pessoa acometida.

Por coisas assim é que insisto que todo mundo, mesmo aqueles que trabalham estudando o sexo entre as formigas gigantes, deve ter noções básicas do corpo humano, de seu funcionamento e sobre certas doenças - ao menos as mais comuns. Ao menor sinal de que algo não vai bem, um reconhecimento precoce pode fazer toda a diferença.

Não quero com esse discurso transformar as pessoas em neuróticas por doenças! De jeito nenhum! Mas um pouquinho mais de conhecimento em saúde pode tornar a prevenção e a condução de certas doenças mais fáceis, tanto para médicos quanto para pacientes.

A gota é outro exemplo de doença "camaleônica". Um aumento dos níveis de ácido úrico no sangue (hiperuricemia) dá como primeiro sintoma, em mais da metade dos casos, uma dor forte no dedão do pé! E pela considerável freqüência dessa doença entre a população (em alguns países chega a atingir 18% dos indivíduos), mas pouca informação, essa é a minha escolha da semana para maiores esclarecimentos.

Bem, como disse, a gota é uma doença caracterizada pela elevação de ácido úrico no sangue. Afeta essencialmente adultos, entre 40 e 50 anos, e tem forte predominância entre os homens. Nas mulheres, costuma se manifestar após a menopausa. Pode resultar tanto de um excesso de produção, quanto de uma falha na eliminação do ácido úrico, principalmente falha na eliminação renal (parte do ácido úrico é eliminado também pelo tubo digestivo). Existe certamente um fator genético como causa, o que justifica a maior incidência de gota entre parentes de primeiro grau.

Em caso de excesso de produção de ácido úrico, essa pode ser endógena (o próprio organismo é responsável pelo excesso produzido, mas esse tipo só é detectado em 10% dos casos), ou secundária à ingestão de álcool, à obesidade, ao uso de diuréticos (do tipo tiazídicos) e ao aumento dos níveis de triglicérides no sangue.

Doenças como a policitemia vera, que ocasiona um excesso de glóbulos vermelhos no sangue, e a psoríase também podem determinar aumento de ácido úrico no organismo. Em caso de falha na eliminação, as principais causas podem ser: etilismo, uso de diuréticos, desidratação, uso de AAS em baixas doses, obesidade, insuficiência renal crônica, intoxicação pelo chumbo, pré-eclâmpsia, hipotiroidismo e sarcoidose.

Mas o aumento dos níveis de ácido úrico não implica necessariamente na doença gota. Apenas uma minoria dos que têm hiperuricemia desenvolvem gota. O restante possui hiperuricemia assintomática e esses indivíduos podem permanecer nessa condição por tempo indeterminado - pacientes podem ficar de 20 a 30 anos com ácido úrico elevado antes da primeira crise. Esse estágio só termina quando tem início a primeira crise de artrite ou de cálculos renais de ácido úrico.

A crise de artrite é bastante típica: o indivíduo vai dormir bem e acorda de madrugada com uma dor insuportável, que em mais de 50% das vezes compromete o dedo grande do pé, o hálux. É uma sensação de deslocamento, freqüentemente acompanhada por calafrios e febre. A dor torna-se progressivamente mais grave até alcançar um ponto em que o paciente não consegue sequer tolerar o toque de uma roupa ou as vibrações criadas por uma outra pessoa que entra no quarto.

As crises leves geralmente desaparecem depois de um ou dois dias, enquanto as crises mais graves evoluem rapidamente para uma dor crescente e podem permanecer nesse nível por um a três dias antes de ceder lentamente. O desaparecimento completo dos sintomas pode levar várias semanas. Uma nova crise pode surgir em meses ou anos e comprometer a mesma ou outras articulações - geralmente as crises de artrite aparecem nos membros inferiores, mas pode haver comprometimento de qualquer articulação.

Tratamento

Gota não cura, mas o tratamento visa eliminar as crises agudas e a correção da hiperuricemia subjacente. Se não for feita uma dieta e, em muitos casos, um tratamento medicamentoso, o ácido úrico volta a subir e mais cedo ou mais tarde nova crise de gota virá.

Sem tratamento, o intervalo entre as crises tende a diminuir e a intensidade a aumentar.

O paciente que não se trata pode ter suas articulações deformadas e ainda apresentar depósitos de cristais de monourato de sódio em cartilagens (tofos), tendões, articulações e bursas. São muito característicos os tofos volumosos localizados nos cotovelos. Alguns casos podem até evoluir para um quadro de insuficiência renal - isto se deve ao fato de que o rim é uma das vias de eliminação do ácido úrico, e diante da maior possibilidade de formação de cálculos de urato, pode haver prejuízos ao seu funcionamento.

Na dieta, recomenda-se evitar a ingestão de determinados alimentos ricos em purina (a maior parte das purinas é sintetizada pelo próprio organismo a partir de açúcares e aminoácidos), restrição alcoólica e aumento na ingestão de líquidos para otimizar a taxa de fluxo urinário. Quando em tratamento, se os níveis estiverem normais, o consumo de bebidas alcoólicas pode ser feito sem exagero. Frutos do mar, miúdos e excesso de carne vermelha também devem ser evitados quando os níveis de ácido úrico estiverem altos, porque podem desencadear uma crise.

As crises agudas de gota são geralmente controladas com colchicina, AINEs (anti-inflamatórios não esteróides) ou corticosteróides injetados no espaço articular. Dessas opções, pode-se preferir os AINEs porque eles apresentam efeito mais rápido, mas eles devem ser usados com cautela em pacientes com insuficiência renal, hipertensão, ulceração péptica ou doença gástrica. Além disso, a colchicina e os AINEs podem ser usados como tratamento profilático para prevenir crises agudas.

*Maria Falcão é médica e mestre em jornalismo científico pela universidade de Londres.

Fonte: Terra
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